window.dataLayer = window.dataLayer || []; function gtag(){dataLayer.push(arguments);} gtag('js', new Date()); gtag('config', 'G-SS4D0CGZVY'); Pastor Moises Martins

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sábado, 10 de julho de 2021

 

Samuel Luiz, o garoto que morreu linchado na Espanha, ensinava a Bíblia e tocava flauta na igreja Congregação Cristã

Jovem de origem brasileira não falava com a família sobre sua homossexualidade. Ele ajudava o pai à frente de uma congregação, na qual o fim de sua vida deixou um ‘buraco’

Samuel Luiz tocava flauta transversa na igreja pentecostal desde os 15 anos. A vítima de um linchamento coletivo irracional na segunda noite em que boates ficaram abertas até tarde após a suspensão de restrições em La Coruña, na Espanha, era o guia espiritual de muitos meninos da Seita Congregação Cristã: um movimento denominado de "evangélico" fundado em Chicago em 1904, com seguidores em todo o mundo, que chegou à Espanha por intermédio de um galego que emigrou para São Paulo.

O jovem de origem brasileira que foi espancado até a morte na madrugada do sábado passado estudava a Bíblia, e abraçou a fé desde criança por meio de seu pai, Maxsoud Luiz, funcionário do centro de logística da Zara em Arteixo, La Coruña. Maxsoud atua como diácono na congregação local de La Coruña, que se reúne às quintas e domingos. Samuel, “sempre o acompanhava” nas leituras sacras, explica um porta-voz da Câmara Municipal de Arteixo, onde se situa o bairro de Meicende, residência da família Luiz Muñiz, bem na fronteira com La Coruña.

Após ser vítima da barbárie de outro grupo de jovens que nem o conheciam, o jovem de 24 anos, que deixou o Brasil quando tinha somente um ano, tornou-se um símbolo da luta da homossexualidade. Sua morte ocupa manchetes e debates na mídia em todo o mundo, algo que faz com que seu pai, segundo ele mesmo declarou, não se sinta muito confortável. Seus amigos próximos garantiram ao El País que Samuel Luiz não escondia a sua homossexualidadel e que sua família sabia que ele era gay. Mas, como seu pai declarou, esse era um assunto que não era abordado em casa, e ele nunca o confirmou aos pais.

A principal hipótese com que trabalha a Polícia Nacional trabalha com linhas de investigações, pelo qual já foram detidas seis pessoas de La Coruña, inclusive dois menores – três delas continuam presas, e três foram soltas em liberdade condicional –, tenha tido origem num mal-entendido. Um jovem acreditava que Samuel e Lina, uma amiga, o estavam gravando com o celular na saída de uma boate. A dupla, no entanto, participava de uma videoconferência com Vanesa, a namorada de Lina. A amiga de Samuel segurava o telefone na mão, levantado.

O agressor se aproximou de Samuel, o repreendendo e o agredindo com um soco. A vítima tentou esclarecer as coisas e se distanciar; poucos minutos depois, no entanto, ao menos seis amigos do primeiro agressor se juntaram, precipitaram-se sobre o jovem auxiliar de enfermagem e o mataram com golpes na cabeça e no peito. Entre os insultos, segundo o depoimento de Lina, eles repetiam com insistência gritos de “viado” e “viado de merda”.

“Não sabíamos nada sobre ele ser homossexual, nem é algo que importe. Se o menino se destacava por algo, era por ser estudioso, do bem, muito educado”, disse Orlando Bello, presidente da Associação de Moradores de São Xosé Obreiro de Meicende. “O menino chegou com os pais do Brasil com apenas 14 meses, estudou no ensino médio. Foi o único filho que Lolita [Muñiz] e Maxsoud tiveram”, ele lamenta. “Não sei qual sentido a vida terá de agora em diante para aqueles pobres pais; eles estão totalmente destruídos.”

Embora Maxsoud seja brasileiro, a mãe de Samuel é espanhola natural de Borroa, um pequeno conjunto de casas situado entre o bairro operário de Meicende e o terreno da refinaria Repsol, nos limites do município de La Coruña. O casal se conheceu na Galícia e depois emigrou para o Brasil, para retornar após o nascimento de seu filho. O casal escolheu para ele o nome do profeta Samuel, que em hebraico significa “aquele que ouve a Deus”.

“São pessoas tão discretas que aqui na região só descobrimos que o pai era evangélico depois que, no funeral do avô materno, ele ficou fora da paróquia e não entrou na procissão”, disse o representante dos vizinhos. “Lolita é de uma família muito conhecida e amada. O Samuel, além dos pais, tem uma tia e dois tios aqui.”

No domingo, uma multidão veio prestar solidariedade na casa funerária, embora o enterro tenha sido “um ato íntimo”, segundo pessoas de Arteixo. Desde então, os restos mortais de Samuel repousam perto dos de seu avô, no cemitério paroquial de Santa María de Pastoriza.

Atualmente, Samuel colaborava com a Cruz Vermelha e trabalhava como auxiliar de enfermagem na residência gerontológica da Fundação Padre Rubinos em La Coruña. À tarde, ele estudava em casa. Ele estava a um ano de atingir seu próximo objetivo: se tornar um técnico de prótese dentária. Amigo da família e membro da Congregação Cristã na Espanha, Jefferton Ferreira lembra especialmente de seu amor pela música. Ele o descreve com uma espécie de aura mística que deixa clara a enorme admiração: “Ele era um menino silencioso, mas toda vez que falava dizia coisas importantes”.

Um “buraco” na congregação

Sempre ao lado do pai, Samuel participava “ativamente da comunidade religiosa”, organizando grupos infantis e juvenis. “Todos os domingos ele ensinava um versículo da Bíblia, para que na semana seguinte recitassem de memória”, disse Ferreira.

O amigo do pai, também do Brasil, descreve a relação de Maxsoud com o filho como muito próxima: nunca os viu se confrontando e “compartilhavam o amor de ajudar os outros”. O filho, sobretudo, “gostava de cuidar dos idosos e dos doentes”. A vida arrancada a golpes, disse ele, deixou um “buraco” na congregação.

Como diácono, seu pai encarrega-se de que o ministério “ajude os desprivilegiados”. Essa foi a inspiração, segundo Ferreira, para pedir aos manifestantes do enorme protesto em repúdio ao assassinato na Praça María Pita, na última segunda-feira, para que levassem comida para a Cruz Vermelha. O amigo da família esteve presente e continua emocionado com este gesto:

“É verdade. Samuel era voluntário nesta instituição. Ele sempre teve um olhar doce ou fazia atos de bondade para com os outros”, disse Ferreira. “A perda dele foi muito difícil. Principalmente para os pais. Ele era a luz que alegrava a casa.”

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Samuel (segundo à direita) com outros fiéis da Congregação Cristã na Espanha, na rua Pardo de Cela em La Coruña Foto: Jefferton Ferreira/Reprodução
Samuel (segundo à direita) com outros fiéis da Congregação Cristã na Espanha, na rua Pardo de Cela em La Coruña Foto: Jefferton Ferreira/Reprodução


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